Desfolhada e malhada tradicional do milho em Coucieiro atraiu dezenas de populares



O Lugar do Carvalhal, em Coucieiro, multiplicou sábado (22 set.) a sua população por causa da realização de uma desfolhada e malhada do milho nos moldes tradicionais. Esta iniciativa, dinamizada pela Associação de Freguesias de Vale do Homem integra a programação municipal de Vila Verde, Na Rota das Colheitas, e atraiu dezenas de populares, entre turistas e curiosos. Mas a prática corre o risco de não ter futuras edições por causa de não haver atualmente gado de uso agrícola.


O acesso ao local da atividade ficou congestionado por viaturas estacionadas dos dois lados da estrada. A Quinta do Carvalhal encheu-se de alegria e música, para além de dezenas de populares. A animar as hostes, na eira ficaram os elementos do Rancho Folclórico de Marrancos, trajados a rigor e acompanhados dos seus instrumentos e vozes; no campo, enquanto lavradeiras e lavradores cortavam as canas e enchiam o carro puxado por duas (descordenadas) vacas, eram os tocadores da Escola de Concertinas de Coucieiro que enchia o ambiente de festa.

A atividade, organizada pela Associação de Freguesias de Vale do Homem realiza-se praticamente sem custos, revelou José Pimentel Silva, o presidente da entidade e da Junta de Freguesia de Coucieiro. 'As pessoas gostam de participar nestas coisas que apelam à tradição e à memória e então trazem tudo o que têm e que é preciso: as foicinhas para cortar as canas, os cestos para encher com as espigas, os petiscos para a merenda, até o gado, que veio de Terras de Bouro, tivemos um voluntário para o ir buscar', contou.

Os animais vieram do concelho vizinho, 'porque em Vila Verde já há pouca gente que tenha gado destinado a estes trabalhos', explicou o autarca, que teme pelo futuro desta atividade: 'Hoje em dia já pouca gente faz desfolhadas e malhadas do milho nas freguesias desta região, muito menos nestes moldes tradicionais'.


Os moldes tradicionais a que se refere José Pimentel Silva referem-se ao uso da força dos animais para puxar os carros com as canas do milho até à eira, subsituídos há muito pelos tratores. 'Eu era jovem e lembro-me quando começaram a ser usados tratores nestas terras. E por isso também já ninguém faz medas, porque não há animais para alimentar', explicou o respondável por esta atividade. Até o método de desfolhar mudou e hoje tira-se a espiga da cana no campo.

Esta desfolhada e malhada do milho reproduziu a rusticidade da prática antiga, com todas as melindrosas e exaustivas fases da prática: o corte da cana no campo pelas foicinhas das mulheres e homens da lavoura; o carregamento do carro, até não poder levar mais - 'que também foi emprestado e que já é raro de encontrar', sublinhou José Pimentel Silva -; a condução do carro atolado puxado pelas vacas, que exige perícia, força e cordenação ao homem que o faz; o derrubar da carga na eira, que requer desatrelar o gado do carro e vários homens a virá-lo; a desfolhada por vários pares de mãos, de corpos de pé ou sentados no que calha; o regresso do carro puxado novamente pelas vacas, ao campo, para novo round, um ato que se repetiu nessa tarde mais de meia dúzia de vezes...
A alegria gerada entre os participantes no trabalho no campo era semelhante à da eira por quem desfolhava. Piadas, bocas, cantares... 'Se me sair a mim a espiga raínha não desfolho mais hoje', gracejava uma das jovens enquanto desfolhava. Voluntários de todas as idades participaram nesta iniciativa, desde pessoas mais velhas, que ainda retém o conhecimento desta prática e a partilham com os mais jovens.

Adelaide Vieira, que faz isto 'há mais de 50 anos' queixava-se da falta de algria agora: 'o povo anda triste, é uma miséria. Antigamente isto era uma alegria, de manhã à noite!', recorda. Talvez pela conjuntura atual de aperto financeiro ou porque simplesmente a espontaneidade da vivência rural está em extinção, a lavradeira ainda assim sublinha a importância de não deixar morrer estas tradições.


A participação da geração mais jovem, como a de Marta Antunes, 33 anos e radiologista de profissão, é explicada assim: 'é para reviver um pouco as tradições da terra e do meu passado. Ainda me lembro quando se juntava muita gente, especialmente de noite, lá em casa, para desfolhar. Vinham os vizinhos, os mais velhos, sentavam-se e desfolhavam as espigas.', recorda com saudosismo. Marta Antunes foi das jovens mais entusiastas da tarde e explica o seu 'desembaraço' em todas as atividades desta prática 'porque quando era mais jovem também ajudava. Não vai há muito, há uns 10 ou 15 anos. São recordações que não se perdem e isto é muito saudável de se reviver novamente', justifica a técnica de radiologia.

Quem ainda demonstrou que também sabe desfolhar foi o presidente do município de Vila Verde, António Vilela, a vereadora da cultura, educação e ação social, Júlia Fernandes e o eurodeputado José Manuel Fernandes. Todos conviveram e desfolharam junto com os populares, numa atividade plena de sucesso, que só há-de deixar de ser recriada 'se não houver as condições mínimas para o fazer', sublinhou, em jeito de alerta, José Pimentel Silva.


24-09-2012 - Correio do Minho

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